VIAGEM AO INFERNO
Deitado naquela cama, eu pensava na roça que eu tinha que plantar, a cerca para consertar, os aceiros, sem falar nas ervas daninhas do pasto que a cada dia ganhava mais espaço. Mas como fazer? Não tinha jeito, meus meninos eram pequenos para aguentar o serviço e aquilo tudo me deixava mais chateado ainda. Quando eu balbuciava alguma coisa em relação ao serviço, minha mulher mandava que eu descansasse falando que o serviço não iria fugir do local e quando eu melhorasse ela me ajudaria a recuperar o tempo perdido.
Não teve jeito, a recuperação que tanto minha mulher esperava, não veio e eu piorei de vez. A única coisa que me lembro foi que vi muitas pessoas a beira da minha cama rezando com velas acesas, olhando para mim como se realmente fosse a última vez que iam me ver respirando e mesmo não os reconhecendo direito, tenho certeza que eram meus vizinhos e compadres com suas mulheres que vieram para a minha despedida.
Eu escutava aquela reza com uma mistura de música, mas parece que estava a quilômetros de mim, não escutei aquilo por muito tempo e com muito esforço consegui virar os olhos para a beira da cama e vi meus quatro meninos e a menina chorando perto da mãe que os acariciavam, não sei como, mas senti os meus olhos lacrimejarem e nesse momento tudo ficou escuro.
Alguém bateu à porta, levantei-me e fui até lá para ver quem era, mas antes de abrir a porta eu parei e perguntei para mim mesmo: Não é possível, agora mesmo meu quarto estava cheio de gente e agora não tem ninguém? Para onde foi todo mundo? Dei uma olhada na cozinha, nos outros quartos e nada.
Acabei esquecendo da porta, quando escutei novamente que alguém batia, caminhei até lá e abri. Deparei-me com uma figura que nem em sonho imaginava encontrar algum dia.
O cara tinha mais ou menos dois metros de altura e vestia um conjunto de roupa umas postas sobre as outras, toda cheia de brilho e um casaco aberto que arrastava no chão, não menos espalhafatoso e completando o manequim na cabeça ele portava uma espécie de turbante só que devia medir meio metro de altura, cheio de cores e brilho também, parecia que até escondia alguma coisa debaixo daquilo.
Quando olhei para seus pés é que vi que ele usava uma bota onde o cano da mesma subia até o joelho. O que me deixou intrigado foi o formato da bota onde cobria a planta do seu pé.
Às vezes quando eu ia à cidade, com muita sorte conseguia via alguém usando sapato, porque não era para qualquer um, tanto que eu não entendia muito de modelo de sapato, mas com certeza aquele modelo que o desconhecido usava não era normal.
Lembrei-me de olhar para o seu rosto e percebi que apesar de demonstrar uma certa jovialidade, o formato também não era como o das pessoas que eu conhecia, não que amedrontasse, mas era mais comprido do que o normal transparecendo uma rigidez e uma cor indecifrável. Toda essa análise não durou mais que segundos, mas para mim pareceu uma eternidade e voltando à realidade escutei o desconhecido falar:
— Belarmino, estou aqui para te levar. Aquela voz parecia que saía de dentro de um túnel, abafada e sonora ao mesmo tempo.
— Me levar para onde? Perguntei. Ele respondeu:
— Não precisa perguntar nada, você foi o escolhido, me acompanhe. Não sei porque, mas o acompanhei sem perguntar mais nada, até chegarmos à entrada de uma mata próxima ao meu rancho, onde estava amarrado um cavalo de cor preta, impecavelmente arriado, ele montou e pediu que eu montasse na garupa do mesmo, arrancando imediatamente e foi aí que percebi que o cavalo tinha uma espécie de asas que o fazia viajar sem tocar o chão.
A viagem passou por lugares estranhos, às vezes parecia que estávamos viajando por dentro d’água, mas ninguém se molhava e daí a pouco passávamos por um local que mais parecia um vácuo, sem ar, sem água, planta, pássaros, terra, enfim sem vida. Mas a viagem foi rápida, quando o cavalo parou, pois eu não sabia se ele voava ou galopava, o estranho disse:
— Chegamos.
Desmontamos do cavalo e comecei a observar o local, e a medida que eu ia virando para pegar um ângulo diferente, meus olhos chegavam a doer, pois só se via uma imensidão de gramado opaco que sumia no infinito, eu perguntei:
— Chegamos onde? Quem é você? Ele respondeu:
— Você já me chamou por tantas vezes e agora pergunta quem sou eu? Veja como chegamos até aqui, os lugares onde passamos e olhe direito para mim, já viu alguém que se pareça comigo? Eu fui lá no seu mundo com uma missão de trazê-lo até aqui. (Eu o interrompi)
— Mas o que você está falando? Que mundo meu é esse? Onde estamos? A única coisa que lembro…espere aí…foi quando eu fechei os olhos e dei o meu último suspiro antes de encontrar com a morte. Acho que é minha última lembrança de casa. – Ele continuou:
— É isso mesmo, mas eu cheguei antes que outro te levasse. Você terá uma chance para uma nova vida, graças a um sorteio que acontece aqui uma vez por ano, conforme nosso calendário. Recebemos aqui milhões de vidas e a cada ano sorteamos uma para que ela possa escolher que destino quer tomar. Mas tudo isso só é possível depois que a mesma conhecer o nosso reino e passar por algumas provas.
— Mas que milhões de vidas são essas que vêm parar aqui? Que Reino você está falando se eu só vejo um infinito sem cor e ainda não sei o seu nome? – Perguntei. E o estranho continuou:
— Eu sou o Demo…aqui é o Inferno e as vidas como a sua que vêm parar aqui diariamente, são exatamente aquelas que contrariam o Senhor Todo Poderoso que mora em outra esfera e que se chama Deus. Não fique pensando que ele nos autoriza a pegá-los, nós que enxergamos aquelas vidas que demonstram em todos os seus atos, que preferem a nossa proteção à do Todo Poderoso.
Então damos uma força para que ela aperfeiçoe a cada dia na maldade, crueldade, inveja, malícia e tudo de ruim que existe em seu mundo. Estamos a todo instante perto de todas as vidas, sempre querendo adotá-la, mas algumas não se esquecem do Todo Poderoso em nenhum momento, é como se essas tivessem um cinturão de proteção em sua volta, mas qualquer descuido, estamos prontos para trabalhar e deixá-la do jeito que gostamos.
Não entendi porque mesmo depois daquela revelação não fiquei com medo e nem me espantei, mas logo em seguida comecei a pensar: O motivo de não estar sentindo medo e nem estar surpreso com tudo isso, já foi explicado, é que a vida que chega aqui já é de certa forma desse lugar há muito tempo, – resolvi perguntar:
— Senhor Demo, como aqui é o Inferno, se não parece nada com o que já ouvi falar? – Ele respondeu.
— Vida Belarmino, de agora em diante é assim que eu vou dirigir a você. Escute uma coisa: Você já deve ter ouvido pelo menos uma vez que a entrada para o inferno é bonita, como está vendo com certeza ela é e não só aqui como também lá no mundo de onde você vem, se fôssemos mostrar uma entrada horrenda, ninguém iria nos acompanhar, por isso tomamos o maior cuidado possível para estarmos sempre mostrando uma entrada para o nosso Reino cheia de satisfações individuais.
— Mas vamos deixar de conversa e entrarmos, muita coisa nos espera lá dentro. – Disse ele.
Neste momento do nada surgiu uma gigantesca muralha infinita tanto para o norte quanto para o sul e quando eu olhei para cima, percebi que a altura do muro também não tinha fim, e em nossa frente um portão gigantesco se abria e uma luminosidade intensa saía dali, não deixando que se enxergasse nada do outro lado.
Guiado pelo grande Demo, entramos.
*continua na próxima página…