PEDRA PRECIOSA
Passados três dias do acontecido, minha mãe resolveu que rezaria um terço, para que a nossa casa ficasse livre de qualquer coisa ruim, que algumas pessoas acreditavam que ficaria depois daquela aparição. Já era costume todo ano, no Natal, ela convidar os vizinhos para rezar o terço, mas depois de tudo isso, ela resolveu antecipar.
Quando ela fez o convite aos vizinhos, ninguém estranhou, pois sabiam que o terço fora da época habitual tinha uma razão de ser. Realmente os vizinhos estavam certos, pois antes de convidá-los ela chamou meu pai e disse:
— Eu estive pensando muito nesses últimos três dias, inclusive rezando muito também. É do conhecimento geral que todos os anos, no Natal, nós rezamos um terço aqui em casa e convidamos os nossos vizinhos para comemorarem conosco, essa festa tão importante, que é o nascimento do menino Jesus. Mas devido ao que aconteceu há três dias, nós precisamos urgente rezar um terço com toda nossa fé e piedade, para que Nossa Senhora, escutando nossa prece, se compadeça de todos nós e interceda junto ao nosso grande Pai. Para que abençoe nossa casa e nossa família, livrando-nos de qualquer mal. Chamaremos os nossos vizinhos para participarem conosco e no final da reza serviremos biscoitos e doces.
Meu pai nunca foi de frequentar a igreja com uma certa periodicidade, como seria normal para um católico, mas sempre foi temente a Deus, devoto de Nossa Senhora e defensor da Igreja Católica. Daí que quando minha mãe expôs para ele a sua intenção de rezar um terço fora da data habitual, ele deu a maior força e ainda disse que já ia providenciar a compra das guloseimas para o evento.
Foi um sucesso total a reza. Compareceram muitos vizinhos que participaram com muita empolgação e fé, parecendo que queriam ajudar de todo coração a levar aquele assunto passado direto e mais rápido possível para o esquecimento.
Eu, meus irmãos e os amigos adoraram esse terço temporão, pois assim que terminou, foram servidos muitos biscoitos e doces para os presentes e como não poderia deixar de ser, enquanto nossa barriga ainda tinha folga, comíamos.
Esse terço foi muito bom para todos, porque os vizinhos e outros moradores de outras ruas que nos conheciam, a partir desse dia ficaram mais compreensivos a respeito do que aconteceu e não perturbaram mais minha mãe com perguntas que já sabiam a resposta na ponta da língua.
Passados alguns anos daquele acontecimento, parece que ninguém se lembrava de mais nada e o melhor e mais importante é que aquela bola de fogo nunca mais voltou. Estava comprovado que a nossa casa não tinha sido amaldiçoada por aquilo, como previa algumas pessoas que gostam de ver a desgraça alheia. Minha mãe não cansava de falar que não aconteceu nada de estranho na nossa casa depois daquele acontecimento, porque se ela já rezava muito, passou a rezar muito mais, só que agora com os filhos e o marido, quando estava em casa.
O quintal da nossa casa parecia uma roça, tinha uma área grande plantada só com hortaliças. Quando meu pai fez essa plantação, ele garantiu para minha mãe que cuidaria com todo cuidado dessa pequena roça e que ela não precisaria se preocupar.
Mas com o passar do tempo essa pequena roça foi ficando abandonada porque ele trabalhava muito fora da cidade e às vezes que estava em casa, preferia ir para a rua encontrar com seus amigos e tomar uns goles. Minha mãe então já cansada de trabalhar naquela plantação e não ver resultado que esperava, porque não tinha tempo também para cuidar como devia, resolveu orientar meu pai, a respeito daquele pedaço de terreno e em um dos finais de semana que ele estava em casa, ela o chamou e disse:
— Nós temos essas hortaliças aqui no quintal ocupando uma boa parte do terreno sem grandes resultados, o trabalho é muito, gasta muita água e além de tudo você fica muito tempo fora de casa e eu sozinha não tenho como cuidar dos meninos mais novos porque os mais velhos estudam e trabalham, não tenho tempo para ser lavradora. Por isso eu acho melhor acabarmos com essa plantação. E já que ficaremos com esse terreno desocupado, bem que você podia construir uns três cômodos no local, assim valorizaríamos nosso imóvel e ainda poderíamos alugar os cômodos para uma família pequena e garantir uma pequena renda mensal.
Meu pai apreciava muito as ideias da minha mãe, por isso achou esta em especial muito criativa e lucrativa, respondendo-a:
— No final deste mês eu termino o serviço que estou fazendo. Esta empreitada vai me dar um saldo positivo, aproveito o dinheiro que vai sobrar e dou inicio à obra. Eu já tenho outro serviço para começar, mas fico em casa duas semanas que é o suficiente para fazer o alicerce e levantar as paredes, trabalho normalmente e nos finais de semana cuido do nosso.
Ela ficou satisfeita por ele ter aceitado a sua ideia. Além de tudo, essa pequena obra, faria com que quando ele chegasse em casa nos finais de semana, ocupasse o tempo e assim esquecendo dos botecos.
Como ele havia prometido, a empreitada acabou dentro do prazo estabelecido, chegando em casa numa sexta feira e trazendo também suas ferramentas, as quais necessitaria para começar a construção dos cômodos no quintal. Ficou acertado que começaria o serviço no outro dia bem cedo. Mas como nada fica escondido, principalmente se já existe alguém na espreita aguardando o momento certo para bisbilhotar, quando meu pai se levantou no outro dia para dar início à sua obra, tomou um susto, alguns vizinhos já o esperavam, se desculpando que era dia de sábado e que não trabalhavam, oferecendo-se para ajuda-lo na escavação do alicerce para a construção dos cômodos. Não teve como dispensar a ajuda dos vizinhos que ali estavam, mas minha mãe chamou-o e disse:
— Você não acha estranho todos esses nossos vizinhos aparecerem aqui hoje para nos ajudar na escavação do alicerce? Nós sabemos que eles são gente boa e prestativas, mas a insistência com que querem ajudar chega até ser estranho, parecendo ter uma segunda intenção em toda essa boa vontade. Ele respondeu:
— Se existe segunda intenção ou não, não me importa, já que estão com essa boa vontade, vou aproveitar e assim o serviço que demoraria uns três dias, ficará pronto em apenas um dia.
Meu pai ficou mais na orientação da escavação, pois não tinha ferramentas para todos. Eles trabalhavam com uma boa vontade incrível, mas minha mãe percebeu que a maioria deles observavam atentos em cada pá de terra que tiravam da vala.
A obra estava em clima de mutirão. Além do café, foi servido almoço para todos, assim não precisaria ninguém se deslocar até suas casas e após alguns minutos de descanso poderiam voltar à labuta. Às duas horas da tarde, a escavação já estava bem adiantada, aí começou acontecer algo que já se esperava: Pouco a pouco os ajudantes solidários arrumavam uma desculpa para irem embora, uns diziam que iam fazer compras, outros diziam que só iam as suas casas verem se estava tudo bem, mas nenhum voltava. Quando o relógio marcava cinco horas da tarde, das quase 12 pessoas que chegaram de manhã, só restavam quatro e dava para perceber a cara de decepção dos ajudantes voluntários.
Quando o serviço foi encerrado, só dois compadres dos meus pais ainda estavam com eles. Minha mãe chamou meu pai e disse:
— Está lembrando-se do que eu te falei hoje de manhã, só para clarear, eu te falei que achava estranho todo empenho dessa gente, mas durante o dia e principalmente na parte da tarde ficou bem claro o que eles vieram fazer aqui. Mesmo depois de tantos anos eles não esqueceram daquela bola de fogo que um dia pousou aqui em nosso quintal e como minha mãe me disse naquela época, que muitas dessas pessoas sabiam da possibilidade da pedra preciosa ter se fixado no subsolo, inclusive nos alertou para que não fizéssemos escavações no quintal por aqueles dias, pois poderia suscitar a curiosidade dos nossos vizinhos, foi isso que aconteceu aqui hoje. Eu percebi que eles observavam com muito cuidado cada pá de terra que tiravam da vala, mas não lograram êxito nas buscas, por isso foram embora mais cedo e se bem me lembro, aquela bola de fogo pousou depois do banheiro, numa touceira de cana que havia próxima onde começamos as escavações, daí o interesse, pois lembram do local ainda.
Algum tempo passou, o barraco do fundo do quintal ficou pronto como previsto, inclusive, duas famílias já tinham morado nele e como estava desocupado, devido ao fato de meus pais não quererem aluga-lo mais porque estavam tendo problemas com os inquilinos, minha mãe conversou com meu pai para que sua mãe viesse morar nesse barraco, pois assim poderia ajudá-la a tomar conta dos meninos e ainda fazer companhia para ela, quando ele estivesse trabalhando fora da cidade.
Meu pai concordou. Minha avó morando ali, as coisas melhoraram, porque ela ajudava muito minha mãe, mas em contrapartida, meu pai nunca se deu bem com ela e sempre havia um bate-boca entre os dois, mas conseguiam sobreviver no mesmo espaço.
*continua na próxima página…