PEDRA PRECIOSA
Quando o dia amanheceu, nem foi preciso nossa mãe vir acordar a gente, pois da cozinha vinha um burburinho que indicava claramente que havia mais pessoas em casa do que de costume. Levantei-me e fui para a cozinha e aos poucos meus irmãos também foram chegando e fazendo parte daquele café, que naquele dia estava mais parecendo uma festa.
Alguns dos meus irmãos mais velhos e também mais novos, que não participaram do acontecido na noite anterior, estavam completamente perdidos no meio de tanta conversa que escutavam, sem entender quase nada, mas aos poucos foram se inteirando do assunto de tanto escutar nossa mãe repetir a mesma história para quem chegava.
A cada momento chegava mais uma vizinha ou vizinho que queria saber a verdade sobre o ocorrido, mas já não escutavam diretamente da boca da minha mãe, pois os primeiros que haviam chegado, já se achavam no direito de serem porta voz da minha mãe, e contavam toda a história para os que queriam saber. Contavam como se tivessem realmente participado, desde o momento que a bola de fogo passou voando sobre a nossa casa, até o momento em que vimos a mesma atrás do banheiro, no meio da touceira de cana.
Naquela confusão alguém resolveu perguntar a minha mãe:
— Quando a senhora se levantou hoje lembrou de averiguar o local atrás do banheiro onde estava a bola de fogo?
Ela respondeu:
— Antes de sair do meu quarto hoje, eu contei toda a história para o meu marido e depois o chamei para irmos verificar o local onde estava a bola de fogo. Infelizmente a touceira de cana estava intacta, como se nada tivesse encostado em suas folhas. Eu fiquei chateada, não que eu queria ver aquilo novamente, mas pela cara do meu marido de desconfiança, mesmo sabendo que dois dos nossos filhos e dois dos nossos vizinhos estavam comigo.
Aquilo parece que não acabava mais, a todo instante chegavam mais gente e as pessoas que estavam não demonstravam nenhum interesse em ir embora. Até que eu e meus irmãos estávamos nos divertindo com tantas histórias que escutávamos, mas eis que uma senhora, com idade um pouco avançada, me enxergou e perguntou-me:
— Você estava com sua mãe na hora que a bola de fogo apareceu? Eu não tive a oportunidade ainda de conversar com ela, me diz aí, é verdade que a tal bola de fogo era do tamanho de um circo de dois mastros e que a mesma tomou conta de todo o quintal? Ficando lá abrindo e fechando a boca cuspindo labaredas para todos os lados?
Quando eu ia responder, ela interrompeu-me e continuou:
— Mas me disseram que se vocês não tivessem corrido, seriam engolidos pela bola de fogo, fiquei sabendo também que tinha mais meninos e meninas com vocês, filhos de vizinhos, onde estão eles? Por acaso não foram tragados por esse demônio incandescente?
Meu irmão mais novo que participou da cena da noite anterior, estava quietinho perto de mim, sem entender direito tanta besteira que a senhora falava, mas outros irmãos, mais velhos, que estavam por ali, rolavam no chão de tanto rir.
Meu irmão mais velho conseguiu fazer com que ela parasse de dizer tantas asneiras e disse-lhe:
— Minha senhora, não sei de onde tirou essa história, não aconteceu nada do que está dizendo, realmente aconteceu uma coisa que não se vê todos os dias e nem mesmo os que estavam presentes no momento sabem explicar direito. Na certa deve haver alguma explicação para isso, e a respeito dos nossos colegas que estavam aqui ontem, estão sãos e salvos em suas casas, mas se quiser saber direito sobre o acontecido, pergunte para minha mãe e ela dirá. Assim, não será necessário a senhora ficar aí fazendo tantas suposições sobre um fato que não presenciou.
Assim que desvencilhamos da senhora, saí em direção ao quintal, onde havia muitos vizinhos e vizinhas conversando com minha mãe, querendo saber mais detalhes sobre o ocorrido. Encostei perto dela, que nem percebeu a minha presença devido ao assédio dos presentes.
Nesse dia meu pai não saiu para trabalhar, ele não poderia deixar minha mãe sozinha conosco, com a casa cheia de curiosos. Mas ele já demonstrava claramente que não estava gostando nada daquilo, sua casa cheia não só de vizinhos, mas também de pessoas que ele nunca tinha visto. Ainda mais tendo que escutar as asneiras que algumas teimavam em contar, achando que estavam ajudando na formação de uma ideia que levasse a um entendimento melhor do fato. Ainda bem que ele não tinha ido a nenhum boteco ainda, se não já teria corrido com toda aquela gente da nossa casa.
Aos poucos as pessoas que pareciam já terem matado a curiosidade, começaram a deixar nossa casa. Enquanto uns já estavam indo embora, minha avó, mãe da minha mãe, acabava de chegar. Não sei porque um caso com tanta repercussão na cidade, em tão pouco tempo, não chegou aos ouvidos da minha avó a mais tempo. Eu acho que minha mãe esqueceu de avisá-la devido ao tumulto que se instalou lá em casa desde o raiar do dia.
O certo é que quando ela chegou já sabia de tudo, não sendo preciso pedir para que contassem para ela toda a história. Procurou minha mãe em meio a algumas pessoas que ainda teimavam em ficar por ali conversando e localizando-a disse:
— Minha filha, preciso falar com você em particular.
As duas foram diretamente para o quarto, onde ficariam longe dos ouvidos dos curiosos e lá minha avó continuou:
— O que aconteceu aqui ontem a noite, não acontece em qualquer lugar todos os dias. Vocês tiveram a grande chance de ficarem ricos e deixaram escapar.
— Como assim, mãe?
Perguntou minha mãe, e minha avó respondeu:
— Se você e seu marido tivessem levado o filho de vocês mais novo, que ainda não é batizado, até o local da bola de fogo, teriam amparo para pegarem aquela bola de fogo com as mãos, que na verdade era uma grande pedra preciosa, de valor incalculável, que estava mudando de local. Mas a essas alturas ninguém sabe se ela fixou-se no subsolo na pedreira que tem no fundo do quintal ou se voou para outro local.
— Mas meu marido não estava aqui, eu estava só com as crianças e com muito medo, pois nunca tinha visto algo igual, minha maior preocupação era proteger meus filhos e outros dois filhos da minha comadre. Como eu poderia imaginar que aquilo era uma grande pedra preciosa se não dava para enxergar nada devido a intensa luz que irradiava do seu interior?
Minh avó prosseguiu:
— Esse seu marido não se emenda mesmo, onde já se viu sair para a rua e chegar altas horas da noite, deixando em casa a mulher com tantos filhos pequenos, sem se preocupar com a segurança deles e nem ao menos passar pela sua cabeça que algo de ruim pudesse acontecer enquanto ele estivesse ausente? Ainda bem que o que aconteceu na noite passada não foi nenhum desastre e com certeza não poderia ser, muito pelo contrário, se tivesse alguém em casa que entendesse um pouco das coisas pagãs e a relação que as pedras preciosas têm com o ser humano despojado de qualquer interesse material e livre de qualquer pecado, lograria êxito na captação da pedra no meio daquela luz que parecia fogo, mas não era.
Minha avó continuou…
— Vocês têm uma criança que ainda não foi batizada, portanto é pagã, e por não conhecer ainda nem em sonhos, o mundo em que vive, se é que sonha, nem imagina que a mola propulsora deste mundo é o dinheiro e por ele muitos brigam e até se matam. Está apta, portanto, a ser agraciada por uma riqueza como aquela pedra, justamente por não ter noção do valor, e protegeria o adulto que estivesse com ela para pegar a fortuna. Era só coloca-la nos braços que o ritual se completaria. Mas vocês perderam tudo isso.
Minha mãe interrompeu:
— Já ouvi várias histórias aqui hoje de pessoas querendo ligar um acontecimento a outro. Umas tenebrosas e outras catastróficas que me trouxeram muito medo. Agora a senhora me conta uma história totalmente diferente e ainda dizendo que perdemos a oportunidade de ficarmos ricos, eu não estou entendendo mais nada, me ajude, por favor.
Minha avó aconselhou-a:
— Vocês não têm como voltar atrás, por isso o melhor mesmo é você e seu marido mandarem essas pessoas que ainda estão aqui bisbilhotando irem embora, porque estão aqui apenas para especular mais sobre o assunto para poderem sair por aí repetindo o que ouviram e o que não ouviram também. Façam isso logo e depois descanse um pouco, já que não dormiu direito e desde cedo está aqui concedendo entrevista para essas pessoas que não têm o que fazer. Tem uma coisa que ainda quero lhe dizer: Em outros casos como esse que eu já ouvi dizer, quando os donos da casa não conseguiram pegar a pedra no momento da aparição, eles conseguiram depois fazendo escavações no local. Muitas das pessoas que estão aqui sabem que existe essa possibilidade, portanto vocês nem pensem em viajar por esses dias, porque é bem capaz dessa gente maluca invadir o quintal da casa de vocês e começar a escavar sem nenhuma noção do que estão fazendo. Outra coisa, se vocês estiverem pensando em fazerem alguma coisa no quintal e que precise de escavação, não façam agora, deixem a poeira baixar e essa gente não lembrar mais desse assunto.
Minha mãe concordou e disse:
— Vou seguir os conselhos da senhora e vou começar correndo com todos da minha casa para eles já irem esquecendo esse assunto desde já.
Minha mãe procurou o meu pai e os dois convidaram os presentes a se retirarem da nossa casa, já que não tinham mais nada a falar com eles e que precisavam descansar e dar atenção aos filhos que neste dia ficaram quase que abandonados no meio de toda aquela gente. Ela ainda escutou muitas pequenas histórias de algumas pessoas, acerca do assunto, antes que eles abandonassem nossa casa. Todas essas histórias deixaram-na um pouco abalada, inclusive a que minha avó contou.
*continua na próxima página…