O Padre que queria casar
Meu leitor, meu caro amigo
Escute bem, preste atenção
O que vou contar agora
Não é minha invenção
É a história de um padre
Que perdeu a devoção.
Minha vó já não discute
Diz que a bíblia já previa
O mundo entrando em crise
Acabando ela dizia:
É o fim que está chegando
Muito cedo, quem diria.
Foi na cidade de Entre Pedras
Onde já não moro mais
Chegou lá um belo dia
Com mala e tudo um rapaz
Foi direto para a Igreja
Como quem procura paz.
A paroquia sem vigário
Estava quase abandonada
Mas Deus iluminou este moço
Que chegou na hora marcada
Foi logo tocando o sino
Para chamar a donzelada
As mulheres arrumaram
Logo todo o cenário
Chegou o moço e disse:
O meu nome é Genário
Cheguei hoje na paróquia
Pra ser o novo vigário
Muita alegria se deu
No meio da mulherada
É o padre que caiu do céu
Diziam a donzelada
Mas como é bonito e vistoso
Pensava uma mais assanhada
A cidade agora mudou
Já tem missa frequente
Batismo, casamento e confissão
Tem hóstia pra toda gente
Mas o padre só anda sozinho
No que faz diariamente
Ninguém tapeia o povo
Quando está desconfiado
Pois nessas andanças sozinho
Ele era vigiado
Temiam que o vosso vigário
Fizesse algo de errado
No mandamento da Igreja
Era um bom cumpridor
Dos padres que ali passaram
Era o melhor orador
Nessa vida calma e mansa
Carregava o seu andor
Sempre arrumava um jeito
Da Igreja se ausentar
Ninguém sabe para onde
Nem do que ia tratar
Sumia horas a fio
Sem ninguém lhe encontrar
Chegava sempre animado
Pra seu ritual começar
A mesa sempre arrumada
E o sacristão a esperar
Fazia nome do Pai
Para o povo poder rezar
Os cristãos sempre animados
Da Igreja não se ausentavam
Nas missas e reuniões
Contavam-se os que faltavam
Era tudo só alegria
E uma festa faziam
Porém o padre saía
Furtivo com sua fé
Sumia todas as noites
De carro e às vezes a pé
Mas não sabiam os cristãos
Que o negócio era mulher
Não precisa perguntar
Como é que ele arranjava
Mulher pra namorar
Se a Igreja lhe ocupava
Mas sempre dava um jeito
Quando uma lhe confessava
Na hora de confessar
Levava sempre uma vela
Ascendia para o cristão
Se fosse moça ou donzela
se uma lhe agradava
Cantadas jogava a ela
Sabia com quem mexia
Pra não perder o segredo
De cair na boca do povo
Disso tudo tinha medo
Sua conquista fazia
Cada dia bem mais cedo
Pode a gente enganar
Muito tempo ou um instante
Depende do que se faz
Pode ir muito adiante
Mas por baixo da batina
Conquistava sua amante
Deus dotou-nos de uma língua
Para podermos falar
Na hora que for preciso
E quando necessitar
Mas tem gente que não sabe
O momento de usar
Às vezes é muito bom
Da língua se aproveitar
Pra falar do mundo inteiro
Ou de quem se interessar
Nem o pobre do vigário
Pôde então se escapar
Ninguém provava nada
Do que o vigário fazia
Alheio a tudo isso
Ele sempre persistia
Na paróquia, seu lugar
Tudo era alegria
Sua fé que era grande
Quando lá foi assumir
Pensava com seus botões
Um dia eu vou partir
Pois sei que a minha fé
As mulheres vão consumir
Coitado, ele não sabia
Estava certo e marcado
Pois um dia de Entre Pedras
Ia ser escorraçado
Cada dia aumentava
Um mais um desconfiado
Um destino mais cruel
Sem pensar lhe aguardava
A paróquia inteirinha
Ele mesmo comandava
Inclusive as mulheres
Que no papo ele passava
Mas um dia lá chegou
Uma mulher pra confessar
O vigário enfeitiçado
Foi por ela se apaixonar
Não sabendo que com isso
Sua carreira iria se acabar
A paixão foi de verdade
Coisa séria pra valer
A mulher correspondia
No que podia fazer
E a vidinha do Padre
Encurtava sem saber
A dona era casada
Desde o último São João
Traía o seu marido
Sem tocar o coração
Mesmo sabendo que ele
Ciumava até do irmão
Mulher linda e faceira
Seu nome era Margarida
Tinha o cabelo bonito
E uma trança comprida
Sorria pra o mundo inteiro
Gostava muito da vida
Seu marido era famoso
Arrasava como um cometa
Destruía seu inimigo
Na faca, mão ou berêta
Os amigos mais chegados
Lhe chamavam Zé pernêta
Foi lhe dado este nome
Por causa de um defeito
Que trazia numa perna
Do lado que tem mais jeito
Mas todos tinham medo
Pelo que já tinha feito
Mesmo sabendo disto
A mulher continuava
O afé com o vigário
Que cada dia aumentava
E mudavam o local de encontro
Quando mais um desconfiava
Zé Pernêta não é bobo
Começou a desconfiar
Sua mulher saía muito
Sem ter horas pra chegar
O tempo que lhe restava
Prá Igreja ia rezar
Coitado, não sabia
Que lá estava a solução
Ela frequentava a Igreja
Guiada pelo coração
Vivia ela e o Padre
Uma completa paixão
Porém, ele não alarmava
Agia mais devagar
Pensava em descobrir
Quem ela ia se encontrar
Contratou um detetive
Para o caso se encerrar
Investigando dia e noite
O detetive viu acontecer
Descobriu que o vigário
Fazia o Pernêta sofrer
Mais depressa correu
A Zé para dizer:
Zé Pernêta, meu amigo
Descobri o salafrário
Amante de Margarida
Seu nome é Genário
Tu conheces muito bem
Pois é ele nosso vigário
O homem deu um berro alto
Como se fosse um leão
Balançou o corpo inteiro
Fazendo tremer o chão
Gritou mais alto ainda:
Onde está o meu facão
Naquele mesmo instante
Tocou-se uma badalada
A missa já começava
Na hora certa marcada
Margarida tinha saído
Para a Igreja toda animada
Furioso e desiludido
Zé Pernêta pegou o facão
Dirigiu-se para a Igreja
Cego e sem coração
Dizia: eu mato os dois
Na hora da oração
Chegou então na Igreja
Não quis ninguém respeitar
Pegou a pobre Margarida
E direto foi para o altar
O padre naquele instante
A hóstia ia entregar
A Igreja que estava lotada
Tinha gente sentado e de pé
Naquele mesmo instante
Virou o próprio cabaré
Será que é o fim do mundo
Gritava uma mulher
Pernêta pegou o Padre
Deu-lhe uma facãozada
O mesmo fez com a mulher
Jogando ela deitada
A Igreja nesse instante
Foi toda desarrumada
O Padre num canto jogado
No meio da confusão
Falava baixinho consigo
Traí minha ordenação
Não tenho ressentimento
Vivi minha maior paixão
Pernêta gritava alto:
Com os dois eu vou acabar
Girava o seu facão
Sem mira pra acertar
Eu derrubo a casa toda
Mas os dois eu vou matar
Os fiéis que lá estavam
Tinham as mãos no coração
Uns gritavam, outros choravam
Outros faziam oração
Uns corriam, outros chegavam
E não parava a confusão
O Padre já quase morto
Restava-lhe alguma vida
Olhou para um canto e outro
Procurando Margarida
No meio da confusão
Pensando: Está perdida
Encontrando Margarida
Foi então lhe falar
Vamos dar o fora daqui
Viver em outro lugar
Se me salvo do seu marido
O povo vai me matar
Juntaram-se então as forças
Parece que Deus teve pena
Saíram numa correria
E naquela cidade pequena
O povo jamais se esqueceu
Daquela bendita cena