PEDRA PRECIOSA
O que vimos naquele momento talvez nunca mais iríamos ter a oportunidade de ver novamente. A uns cinquenta metros de altura voava em direção à nossa casa, uma bola de mais ou menos cinquenta centímetros de diâmetro, incandescente, como se fosse o Sol descendo até a Terra só para clarear nossa casa.
Quando aquela bola de fogo passou sobre nós sumindo acima do telhado da nossa casa, estávamos todos mudos olhando para aquela maravilha que no momento inspirava mais medo do que felicidade, por estarmos participando daquela cena única.
Há pouco tempo a noite chegou, minha mãe já estava servindo o jantar e como era de costume, ela preparava o prato de todos e só então preparava o seu e sentava conosco. Eram tantos filhos que às vezes quando ela terminava de entregar o último prato, os primeiros já tinham terminado. Depois que todos estavam servidos, ela ainda ia para o fogão preparar a mamadeira do mais novo que à época tinha quatro meses.
Terminada toda essa festa da última refeição, íamos todos para frente da casa. Minha mãe ficava sentada numa cadeira colocada na calçada da casa, enquanto observava-nos brincando na rua com nossos amigos da vizinhança. Sempre quando acabávamos de jantar e íamos para frente da casa, lá já se encontrava uns trinta meninos e meninas nos esperando para brincar até que nossas mães nos chamassem.
Muito tempo depois eu fiquei sabendo que essa rua era a que tinha mais meninos na cidade. Brincávamos de todas as modalidades de brincadeiras que existiam naquele tempo, e às vezes quando alguma permitia, eu e alguns dos meus irmãos, sentávamos um pouco perto da nossa mãe, enquanto ela segurava o irmão mais novo no colo. Às vezes eu tinha minhas dúvidas, se nossa mãe ficava ali sentada para nos vigiar e aproveitar para olhar a lua — daquele local a visão do seu nascer era muito bonita — ou se era somente para economizar o querosene que era o combustível das lamparinas, pois enquanto estávamos fora da casa, as lamparinas eram quase todas apagadas.
Ainda não existia energia elétrica na nossa rua, somente algumas casas próximas à Igreja Matriz possuíam energia elétrica que era gerada por um pequeno motor. Não nos importávamos, já estávamos acostumados com a noite, que às vezes estava clara e iluminada pela lua e outras vezes estava escura quando ela se escondia.
Naquele tempo, por volta de 1967 e 1968, ninguém sentia falta da energia elétrica, pois não existiam os aparelhos elétricos que desfrutamos hoje, poucas famílias tinham um rádio a pilha, onde escutavam as notícias, novelas e músicas. Além do mais, a rua sem iluminação proporcionava uma imagem muito bonita do céu, mostrando claramente cada uma das estrelas com a lua reinando em toda aquela imensidão, mas nossa mãe não deixava a gente indicar as estrelas com o dedo, para não adquirir verrugas em alguma parte do corpo, pois assim ela acreditava.
Quando estávamos descansando entre uma brincadeira e outra, olhávamos para o céu e começávamos a dar nome às figuras de bichos, anjos e santos que na nossa imaginação as nuvens desenhavam. Eram tantas brincadeiras inventadas que se nossa mãe e as mães dos outros amigos e amigas não nos chamassem para dormirmos, ficaríamos ali até a noite acabar.
As mães dos nossos amigos e amigas, também ficavam sentadas em frente às suas casas vigiando seus filhos e vibrando quando um marcava um ponto em algum tipo de brincadeira, como pique-bandeira, boca de forno, passa anel e outras. De vez em quando, algumas das mães tinham que intervir, pois não eram poucas as vezes que surgia uma pequena briga, por desentendimento do regulamento da brincadeira, mas logo tudo se resolvia e todos estavam se abraçando e sorrindo novamente, satisfeitos pelo recomeço das brincadeiras.
Nesta rua não havia nenhum tipo de pavimentação, era de terra pura e de vez em quando minha mãe gritava:
— Não quero ver ninguém sentado no chão para não sujar a roupa nessa terra vermelha.
Outras vezes ela falava:
— Podem ir encerrando as brincadeiras, já está ficando tarde e precisamos dormir, além disso, o pai de vocês está para chegar e ele não vai ficar satisfeito de encontra-los brincando na rua nesse horário.
Meu pai chegava do serviço ao entardecer, mas assim que tomava um banho rápido, saía para encontrar com seus amigos e só voltava bem mais tarde. Quando ele chegava e encontrava algum de nós ainda brincando na rua, a surra era certa e não foram poucas as vezes que apanhamos do nosso pai, por não atendermos nossa mãe e ir dormir mais cedo, mas era melhor arriscar tomar uma surra do que deixar alguma brincadeira que estava no auge, pela metade.
Certo dia, logo após termos encerrado a última brincadeira, todos os colegas já tinham ido embora, exceto uma amiga e um amigo que resolveram ficar conversando mais um pouco comigo e meu irmão. A lua estava naquela fase que sai bem mais tarde, mas o céu escuro mostrava com clareza uma imensidão de estrelas.
Minha mãe já tinha ido para casa e arrumado a cama para todos dormirem, e voltando insistiu para que meus colegas fossem embora e que eu e meu irmão entrássemos para dormir, pois estava ficando muito tarde. Estávamos todos sentados à beira da calçada e quando levantamos para nos despedir, minha mãe chamou-nos à atenção:
— Levantem-se rápidos e venham ver! E apontou em direção ao céu.
Naquele momento pensei que iria nos mostrar uma estrela cadente ou meteoro caindo, mas não foi, pois sempre que mostrávamos uma estrela dessas para ela ou ela nos mostrava, ela mandava a gente dizer três vezes: Deus te guia, Deus te guia, Deus te guia.
Uma estrela cadente normalmente descia muito veloz e longe, essa não, passava lenta e perto. O que vimos naquele momento talvez nunca mais iríamos ter a oportunidade de ver novamente. A uns cinquenta metros de altura voava em direção à nossa casa, uma bola de mais ou menos cinquenta centímetros de diâmetro, incandescente, como se fosse o Sol descendo até a Terra só para clarear nossa casa.
Quando aquela bola de fogo passou sobre nós sumindo acima do telhado da nossa casa, estávamos todos mudos olhando para aquela maravilha que no momento inspirava mais medo do que felicidade, por estarmos participando daquela cena única.
Como os moradores daquela rua dormiam cedo, por volta das oito da noite e nós às nove, o que já era tarde naquele tempo, somente nós estávamos acordados. Minha mãe chamou-nos para dentro de casa e disse aos meus amigos:
— Vou colocar os meninos na cama e em seguida levo-os até a casa de vocês, não é bom que saiam sozinhos nesse horário e além do mais ninguém sabe o que representa essa bola de fogo que acabamos de ver.
Quando já íamos deitar, meu irmão que estava conosco, disse que queria fazer xixi. O banheiro, que naquela época era uma privada, ficava no fundo do quintal, a uns vinte metros da porta da cozinha, logo após uma plantação de hortaliças e um pé de goiaba, sendo que depois da privada tinha uma plantação de cana e em seguida uma grande pedra de cascalho no formato de um monte, onde costumávamos brincar fazendo estradas para nossos carrinhos de caixas de fósforos, devido a facilidade de escavação daquela pedra.
Minha mãe segurando a lamparina caminhou em direção a porta da cozinha que dava para esse quintal, e quando abriu a porta levamos o maior susto da vida. Atrás do banheiro a mesma bola de fogo que tínhamos visto passar voando por cima da casa, estava no meio da touceira de cana. Talvez pela proximidade, a luz agora era muito mais forte do que contemplamos antes.
Minha mãe, que estava na frente, deu um grito: __minha nossa Senhora, o que é isto! E voltou-se rapidamente puxando-nos e fechando a porta. Passados alguns minutos abriu a porta novamente e lá estava aquela luz forte no mesmo lugar. Acabou levando meu irmão para fazer xixi na frente da casa, que nesse momento oferecia menos perigo.
Visivelmente perturbada com aquela aparição, ainda mais que outros dois irmãos mais velhos ainda não tinham chegado em casa, ela conferiu as camas onde estavam dormindo outros irmãos mais novos e voltando disse-nos: — O pai de vocês bem que poderia estar aqui agora, talvez ele soubesse o que fazer, mas como não está, por enquanto o certo é a gente não sair de casa em direção ao quintal, também não vou chamar nenhum vizinho, pois devem estar todos dormindo. Já conferi os quartos dos outros meninos, estão dormindo tranquilos, vamos rapidinho levar seus dois colegas até a casa deles e depois que voltarmos trancaremos toda a casa e iremos deitar.
Nessa noite quando meu pai chegou, não foi possível minha mãe expor o acontecido, pois ele estava completamente bêbado, sem condições para receber uma informação como aquela. Era sempre assim quando o encontro com seus amigos demorava mais que o normal. Minha mãe deixou o assunto para outro dia.
Uma coisa eu tenho certeza, naquela noite minha mãe não dormiu pensando em tudo que tinha acontecido, eu lembro que quando nos arrumou na cama ela disse:
— Vou para meu quarto rezar a noite inteira, vocês esqueçam tudo isso e durmam logo.
Eu e meu irmão, os únicos acordados naquele quarto, onde dormiam seis meninos, ficamos conversando baixinho ainda por muito tempo. Meu irmão, dois anos mais novo que eu, tinha seis anos, perguntava:
— Será que essa bola de fogo é um pedaço do Sol que caiu no nosso quintal, ou será uma assombração que veio assustar nosso pai, por ele falar muito o nome do demônio? E eu tinha que responder:
— Assombração não deve ser, pois eu já escutei nosso pai falar que isso não existe, mas quem sabe ele fala isso só para se desculpar? Alguma coisa isso deve representar e acho que ainda não temos idade suficiente para entender essas coisas.
Mas ele insistiu no assunto e perguntou:
— E se essa bola de fogo for uma bomba gigante e de repente ela explodir e levar nossa casa e todos nós pelos ares ou quem sabe acabar também com nossa rua?
Respondi, tentando acalmá-lo:
— De onde você tirou essa ideia? Se aquilo que está lá fora fosse uma bomba como você está dizendo, ela já teria explodido há muito tempo e não estaria voando por aí até aterrissar no nosso quintal. Vamos dormir que é bem melhor, tenho certeza que amanhã cedo essa história vai gerar muita conversa entre os moradores da nossa rua e quem sabe da cidade toda. Já ouvi meu pai falando que na nossa rua tem muitas mulheres fofoqueiras, eu acho que assim que o dia clarear e elas ficarem sabendo, vamos escutar histórias a respeito desse assunto de tudo quanto é maneira.
Continuando eu disse:
— Não podemos esquecer que além de nós, estavam conosco nossa amiguinha e nosso amigo e é claro eles vão contar tudo para seus pais que virão logo cedo para averiguar a veracidade da história. Pode ficar tranquilo que isso não vai ser nada do que estamos pensando e logo todos vão esquecer essa noite.
Olhei para a cama onde meu irmão estava deitado para lhe desejar boa noite, mas não precisou, ele já estava dormindo como se nada tivesse acontecido.
*continua na próxima página…