A EXORCISTA
A menina Júlia desceu toda a ladeira correndo, entrando em outra rua que a levaria para um outro morro, que ficava distante de sua casa. Sua mãe, a acompanhava quase de perto, por ter forças ainda para correr, mas a sua avó, coitada, já velha e doente, estava bem mais atrás, com o coração quase saindo pela boca, devido ao esforço que fazia para não perder nem sua filha, nem a neta de vista. De vez em quando a mãe de Julia, Hildete, gritava:
— Pare menina, eu vou te ajudar, vamos para casa. Mas não obtinha resposta. Tentou mais uma vez, a voz quase já não saía, pois estava cansada de tanto acompanhar aquela menina.
— Pare Júlia, me escute, eu quero o seu bem, vamos para casa. Depois de todo esse tempo, pela primeira fez Hildete escutou a voz de Júlia, ela olhou para trás e gritou:
— Eu vou morrer…eu vou morrer…
— Não faça isso menina, tenha pena de sua mãe. Disse Hildete, que corria um pouco atrás de Júlia. Mas ela repetiu de novo:
— Eu vou morrer… e vou levar a senhora e quem mais estiver perto de mim. Dizendo isso, a menina correu para uma rua que ia dar à beira de um precipício de, mais ou menos, cinquenta metros.
A mãe, entendendo a sua pretensão, tratou de apressar mais sua carreira. Júlia já estava a poucos metros do precipício e do jeito como continuava correndo, não ia desistir do pulo para a morte.
Nesse instante Hildete já estava bem próxima à sua filha e resolveu tentar o impossível para salvá-la, jogando seu corpo com as mãos estendidas em direção a Júlia, que já estava a um metro da beira do precipício, agarrando as pernas dela. Conseguindo seu intento, Hildete pensou: consegui. Mas essa felicidade não durou mais que três segundos, pois a menina virou-se e agarrando a mãe disse:
— Mãe, a senhora vai junto comigo. Hildete começou a gritar por socorro, enquanto reunia toda força que ainda tinha para não deixar que a menina caísse no precipício e consequentemente ela também, pois enquanto ela fazia força para cima a outra a puxava para baixo dizendo com aquela voz mais estranha:
— Venha, eu quero te levar comigo. Naquele instante Hildete entendeu que aquilo que estava vendo, realmente não era sua filha e sim o demônio, mas tinha que expulsar esses pensamentos e salvar a sua filha. Gritou por socorro novamente, para ver se alguém a escutava, pois na rua quase não havia moradores.
Nesse instante apareceu sua mãe, Dona Nininha, e outros homens que correram em direção a elas para ajudarem. Os homens presentes fizeram um cordão humano, não podiam se arriscar próximo àquele precipício, e conseguiram puxar as duas para um local mais seguro.
A Júlia literalmente perdeu os sentidos e sua mãe sentada próxima a ela, tinha perdido toda a cor do rosto, das mãos, não falava, nem chorava, apenas olhava para sua filha sem entender o que tinha acontecido e porque.
A pequena família por muito tempo ficou sem aparecer na porta da casa, com medo de escutar o que os vizinhos falariam sobre o ocorrido, mas de nada isso adiantou. A vizinhança toda comentava e o pior, do jeito como imaginavam.
Aquela vizinha que já tinha dado o prognóstico desde o início sentia-se a verdadeira vidente diante das outras, reforçando sua previsão feita naquele dia, sempre que encontrava com outras vizinhas:
— Eu falei para vocês que aquela menina tinha recebido o demo, vocês não acreditaram, onde já se viu, uma filha querer matar sua própria mãe. Agora ela deve está lá fingindo que não se lembra de nada.
— Comadre, mas como isso pode ter acontecido justamente com uma menina tão bonita e educada como a Júlia? Perguntou uma outra.
— Vocês não sabem? Eu acho que foi aquele rapaz com quem ela terminou o noivado que fez uma feitiçaria pra ela, até dizem por aí que ele era muito apaixonado.
— Será isso mesmo? Uma respondeu. E a outra continuou:
— Dizem também que ela está pagando por sua mãe, que traiu seu pai, pois quando isso aconteceu a sogra de sua mãe foi até a Bahia e mandou fazer um trabalho, vingando para o filho, mas o pai de santo errou e o feitiço foi enviado para a pobre da menina.
Hildete queria levar a filha a um médico, enquanto dona Nininha, que tinha suas crenças, achava melhor levá-la a um feiticeiro. Os dias foram passando e não acontecia nem uma coisa nem outra, ainda mais que elas ainda não tinham sentado com a menina para discutirem o assunto e chegar a uma conclusão que resolvesse e agradasse a todas.
Talvez a menina nem ia querer tocar neste assunto e é o que parecia, pois se ela era de poucas palavras, depois daquele ocorrido, conversou menos ainda. Dona Nininha de vez em quando chamava a filha e dizia:
— Hildete, será que Júlia não está precisando se casar?
— Não sei mãe, mas ela já teve muitos pretendentes, inclusive já foi até noiva.
Dona Nininha insistia:
— Dizem que há moças que, quando começam a passar da hora de se casar, começam a dar problemas.
Hildete respondeu.
— Mãe, não creio que seja o caso de Júlia. Dona Nininha, quando percebia que Júlia estava alegre, arriscava uma gracinha também:
— Júlia, você não pensa em se casar? Aquele rapaz que você falou o nome dele aqui em casa outro dia, esteve aqui te procurando.
— É meu amigo vó…E quanto ao casamento, não penso nisso agora.
*continua na próxima página…